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Etapa da 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista debate vida indígena nas cidades

03/07/2015

SP e RJ foram os únicos estados envolvidos nas questões de contexto urbano

Escrito por: Vanessa ramos, CUT-SP

De 17 a 20 de novembro, Brasília (DF) sediará a 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista, que terá como tema “A relação do Estado Brasileiro com os Povos Indígenas no Brasil sob o paradigma da Constituição de 1988". Em âmbito nacional, as etapas são coordenadas pelo Ministério da Justiça e pela Fundação Nacional do Índio (Funai), em ação conjunta com a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI).

Na região Sudeste, até setembro, serão quatro etapas locais, das quais uma ocorrerá na aldeia de Bracuí, em Angra dos Reis, Rio de Janeiro, e outras três em São Paulo. Mas, apenas uma delas, já realizada nos dias 26 e 27 de junho, teve como mote principal o contexto urbano.

Organizada pela Comissão de Articulação dos Povos Indígenas de São Paulo (Capisp), esta etapa contou com o apoio do Conselho Indigenista Missionário em São Paulo (Cimi-SP), Conselho Regional de Psicologia, Programa Pindorama, Funai, Fórum Intersetorial Indígena de Osasco, Centro Gaspar Garcia e Rede Indígena Instituto de Psicologia da USP.

Representante da CNPI, Marcos Tupã, do povo Guarani Mbyá, explica que a inserção da pauta sobre povos que vivem na área urbana foi fruto de uma discussão construída em âmbito nacional. “Debatemos com firmeza que este assunto era importante porque sabíamos da situação vivida em São Paulo e em outros locais. Brigamos por este espaço porque acreditamos que temos que discutir todas as nossas lutas, independente de estarmos nas aldeias ou nas cidades”, defende.

Para o antropólogo Benedito Prezia, coordenador do programa Pindorama, de educação indígena na Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP), a conferência permitiu testar o grau de organização das comunidades. “É fruto de uma articulação na cidade que já tem 13 anos. Foi significativa também a presença de indígenas que vivem no mesmo contexto, mas no Rio de Janeiro e em Bauru [interior de São Paulo], o que revela que os problemas por eles vivenciados são bastante parecidos”, pontua.

Entre as questões, os povos indígenas presentes apontaram a ausência de moradia. O jovem Edcarlos do Nascimento é um dos 826 Pankararu que residem na favela do Real Parque, na zona sul de São Paulo. Formado pela PUC como assistente social, ele acredita que os governantes deveriam ouvir mais as lideranças que vivem nas áreas afastadas. “Queremos projetos habitacionais nas periferias, mas de forma autônoma e adaptada à cultura de cada povo. O estado de São Paulo tem grande concentração de impostos e renda e não dá atenção a políticas para os indígenas”, afirma.

Na zona leste de São Paulo, os Pankararu também cobram moradia nos bairros Sapopemba e Jardim Elba. Faz 12 anos que a comunidade luta por um terreno específico para a construção de um projeto de moradia e já esteve em inúmeras reuniões com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), sem resultado, para cobrar a inclusão do Programa de Moradia para indígenas urbanos no orçamento do órgão.

Afonso Apurinã, cujo nome indígena é Xamakiry, saiu do Acre para o Rio de Janeiro em 1991. Assim como os Pankararu, ele já viveu em muitos bairros, mas na cidade carioca.  E, desde 2006, participa da ocupação do prédio do antigo Museu do Índio, no Maracanã, zona norte do Rio. “Lutamos para poder desenvolver a nossa cultura e cobramos moradia adaptada para a nossa realidade”. 

Também morador da aldeia Maracanã, Araçari Pataxó acredita que a morte não se dá apenas com arma de fogo, mas com a retirada de direitos. “O índio mora onde quer. Já não basta termos sido obrigados a sair de nosso território por conflitos de terra. Queremos é resolver as situações que ferem os povos”, diz.

Valorizar as culturas

Amaro Potiguara tem 29 anos. Para ele, os governos poderiam construir políticas públicas para a juventude indígena que vive nas cidades. “Sempre me perguntam se sou mesmo indígena e faço de questão de me apresentar assim em todos os espaços que participo. O que acontece é que trocamos o arco e flecha pela caneta”.

Alaíde Pereira Xavier Feitoza, representante do povo Pankararé, pensa como Amaro. Moradora da zona norte da cidade de Osasco, ela explica que há nove anos a comunidade luta por um Espaço de Referência dos Povos Indígenas, onde possa realizar atividades culturais, fazer os artesanatos, os cantos e dançar o Toré. No local, espera construir o que chama de Poró, espécie de casa onde praticam as rezas tradicionais. “Estamos na luta porque queremos que os direitos saiam do papel”.

O cocar com penas azuis treme quando Alaíde se refere às crianças, aos adolescentes e aos jovens. Na etapa da conferência em São Paulo, ela disse sonhar com políticas na cidade que permitam a transmissão do saber a partir da resistência de seu povo, originário da região do nordeste da Bahia, da região desértica do Raso da Catarina.

Há nove anos, o povo de Alaíde organizou a primeira Mostra Cultural Pankararé, em Osasco, em parceria com entidades e o poder público. Numa luta história junto ao Conselho Indigenista Missionário em São Paulo, a comunidade conquistou, em 2012, que a “Semana dos Povos Indígenas” fizesse parte do calendário do município, por meio da Lei Municipal nº 4.538. 

Para Alaíde, a etapa da conferência é também uma consequência da luta travada ao longo de tantos anos, que hoje conta com diferentes apoiadores que vão desde a Pastoral Indigenista de São Paulo, a prefeitura de Osasco, até a Central Única dos Trabalhadores de São Paulo. Essas articulações permitiram aos povos da grande São Paulo ganhar maior visibilidade na cidade.

Descontruir e revelar

Guarani Nhandeva e morador da Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, o professor Emerson Souza foi quem coordenou as falas na etapa da conferência que, segundo ele, foi um marco político para os indígenas que vivem na cidade. “Essa etapa atingiu em sua plenitude o protagonismo das organizações indígenas”.

A psicóloga Lumena Celi Teixeira, do Grupo de Trabalho (GT) Psicologia e Povos Indígenas do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, fez referência à importância da etapa em São Paulo e citou a violência vivida pelos povos. Segundo ela, o trabalho que realizam com povos de aldeias e da cidade existe há 10 anos e, nesse período, o grupo tirou entre as necessidades uma atuação no campo da saúde mental indígena e o fortalecimento da identidade nativa diante da situações de preconceito.

O trabalho citado por Lumena demonstra que esta realidade nas cidades não deve ser ignorada.

Nos grupos de debate da etapa local, os povos cobraram diferentes demandas, dentre as quais um pólo de saúde específico para o território e ampliação do atendimento à saúde dos indígenas em contexto urbano. Ainda, organização e liberação dos arquivos da Funai, garantindo sua transparência e amplo acesso e divulgação.

No eixo “Direito à Memória e à Verdade”, eles apontam para a renomeação de logradouros públicos que homenageiam bandeirantes e ditadores, os algozes dos povos no passado, e a retificação de placas de identificação de pessoas. Por exemplo, ao lado da estátuas de bandeirantes, que se coloque uma explicação sobre os males cometidos por estes no passado.

Também estabeleceram na etapa local a criação da Comissão Nacional Indígena da Verdade organizada em núcleos de pesquisa regionais, com composição plural e data anterior ao período da ditadura militar brasileira.

Em plenária, foi ainda aprovada a criação, na Funai, de uma política de registro, documentação e sistematização de informações sobre indígenas em contexto urbano, com especial atenção ao histórico de expulsão e imigração decorrentes de conflitos fundiários e outras violências.

Além das propostas, os indígenas fizeram um manifesto contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que transfere para o Congresso, de maioria ruralista, as demarcações de terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação que hoje são competência do Executivo federal.

Até novembro

Entre os povos que participaram desta etapa na cidade de São Paulo estiveram os Fulni-ô, Wassu Cocal, Kariri Xocó, Kaimbé, Pankararé, Pankararu, Pankará, Kuruaya, Mura, Pataxó Kamakã, Potiguara, Xavante, Xukuru Ororubá, Tupinambá, Borum, Kariboka, Puri, Terena, Guarani Mbyá e Guarani Nhandeva. 

Segundo a Funai, serão realizadas 131 etapas locais, em diferentes localidades do Brasil, definidas a partir dos critérios estabelecidos pelos povos indígenas, que terãoo maior autonomia nessa construção.

Este será momento de avaliar as políticas e ações indigenistas nacionais, discutir as realidades das diferentes regiões do País, reafirmar garantias reconhecidas na Constituição Federal aos povos indígenas e construir diretrizes para que se consolide a política nacional indigenista aos indígenas que vivem em aldeias ou nas cidades. 

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